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Bic Laranja

Bic Laranja

23
Mar19

Da façanha que supera todas as proezas de sua época

…que supera todas as proezas de sua época

 Não, homem da rua que me leres. Ao passares pelo monumento que exalta a memória do grande capitão que foi Fernão de Magalhães, não voltes a cara com desprezo. Porque aquele bronze não representa apenas uma homenagem do Chile a um grande navegador que, «atraiçoando Portugal», se teria limitado ao descobrimento das costas da América do Sul. Aquela figura simbólica sintetiza feitos como o de Gama, aliados aos de Albuquerque, os quais não interessaram só à Espanha mas assombraram o Mundo, com uma travessia oceânica, «cúmulo de energia e arrojo». Para lhe abrir com a sua esquadra o caminho do seu «Mar del Sul», e lá descobrir «tierras e islas», foi preciso lutar, com braço e alma de aço, contra uma rebelião dos companheiros espanhóis, realizando depois a parte mais longa e mais árdua da viagem à volta do Mundo.
  […]
  Pois nada disto impediu historiadores de tentarem diminuir o feito pessoal do português Magalhães — «façanha que supera todas as proezas de sua época» — escreveu Stefan Zweig — a fim de disfarçar a oposição levantada pelos oficiais da frota na busca de uma passagem para oeste do Atlântico, a ponto de a maior das naus ter desertado para Espanha! E tanto que, quando depois, pela chegada lá da «Victoria», se soube a verdade, os autênticos traidores nem foram punidos pelas suas calúnias contra o heróico capitão-mor.
 […]
 Certo, o papel de quem levou a «Victoria» a Espanha, por caminho já muito trilhado por outros mareantes, foi na verdade secundário, se o compararmos com aquele desempenhado por Magalhães. Porque este, chefe e navegador, tendo vencido elementos e homens, acabou perdendo a vida em luta pela Espanha. O que por ela não foi exaltado, só para evitar que o sucesso da mais difícil parte da viagem, chefiada por Magalhães, pudesse recair sobre um não espanhol.
  [...]
 Assim, na sua famosa navegação, escasso de recursos, explorando um nova [sic] canal, e cortando um desconhecido oceano, longe de nos «atraiçoar», abrindo aos rivais espanhóis os portos orientais, aquele audacioso chefe de bronze, que foi Magalhães, queimando a sua vida, até nos ampliou o Brasil. E devemos orgulhar-nos de que também tivesse sido português o primeiro capitão-do-mar a passar com uma esquadra do Atlântico para o Pacífico, como já foram portugueses aqueles que o fizeram para o oceano Índico.

 Tal é o elevado conceito que, quando for gravado na base do Monumento, concretizará a incontestável glória da figura mundial, que foi o navegador português Fernão de Magalhães!»

Gago Coutinho (Almirante), A Náutica dos Descobrimentos, vol. II, Agência-Geral do Ultramar, Lisboa, 1969, pp. 119-135 passim.

Inauguração da estátua de Fernão de Magalhães, Praça do Chile  (Judah Benoliel, 1950)
Inauguração da estátua de Fernão de Magalhães, Praça do Chile, 1950.
Judah Benoliel, in archivo photographico da C.M.L.