Em torno dos livros
Não comprava livros de edição recente fazia tempo. Há dias catava uma «Vida Ignorada de Camões» em livrarias online da moda (i.e. abrasileiradas). Lembrou-me de juntar à encomenda os volumes XVII e XVIII da História de Portugal do Prof. Veríssimo Serrão (Editorial Verbo, 2008-2010). Tinha-os em falta. Foi neste vogar bibliómano que me acabou nas mãos o do embaixador... de Jesus (José Duarte, tive agora de ir ver; tenho esta péssima memória para os autores modernos); quando fui pela encomenda à livraria lá estava o Salazar a vender... E, enfim, ele vende, eu compro.
Tornando à História do Prof. Veríssimo Serrão, aconselho. — Já aqueloutra de José Mattoso aconselho menos, especialmente o intragável volume quarto, coordenado pelo Hespanha: teoria do poder no Antigo Regime a rodos; História que se consiga aprender, nem vê-la. Tudo pela módica metade do peso de qualquer dos outros tomos da obra. E que contraste com o formidável volume sexto, A Segunda Fundação, de lavra inteirinha de Rui Ramos.
A História do Prof. Serrão aconselho. Agora mais porque (eis o mundo em que vamos) a Verbo foi comprada por um grupo livreiro qualquer e pôs esta História de Portugal em saldo; menos de três contos de réis cada volume. Mencionei-o sugestivamente ao livreiro: — «Os últimos destes que comprei custaram-me mais do dobro...» — A resposta foi de um grupo tomou a Verbo; «cheira» que lhe quere revolver por o catálogo e livrar-se do «armazém». Ganhei eu e ganha o benévolo leitor que procure completar esta História de Portugal. Saiba porém — se não procura a obra completa — que cada volume vale por si. E conta a nossa História recente como ninguém o ousa actualmente fazer. Ora oiça o autor no prefácio do vol. XVIII (1960-1968):
[...] No drama profundo que avassalou a vida portuguesa entre 1960 e 1974, uma pergunta fará sentido: houve ou não portugueses que aceitaram a autonomia imediata das províncias ultramarinas? Quando se tem presente que os republicanos de formação democrática se puseram ao lado do regime vigente em defesa do Ultramar português, talvez se compreenda melhor a génese do problema ultramarino. Porque as possessões de além-mar faziam parte de um Portugal disseminado pelos quatro cantos do mundo. Nessas longínquas parcelas viviam portugueses de alma e coração e já a I República entrara na Grande Guerra para defender o que considerava pedaços distantes do Portugal europeu. Como poderiam democratas impolutos como o general Norton de Matos, o Dr. Jaime Cortesão, o Engenheiro Cunha Leal e outros que já haviam fechado os olhos, aceitar que as terras de África e do Oriente deixassem de ser portuguesas?
As «campanhas de pacificação», a que os políticos e ideólogos de formação marxista continuam a apelidar de «gerras coloniais», careciam de ser vistas numa perspectiva absolutamente portuguesa. Apenas se pode negociar com os nossos adversários quando a sorte das armas nos coloca na posição de quem possui interesses nacionais a defender. Quanto mais não seja, o sentimento pátrio que qualquer nação forja por sustentar tem uma forte raiz cultural de que um povo consciente nunca prescinde. A concepção neocolonialista que então se gerou contra Portugal deformou a visão da História que cada nação considera um ser próprio fundado nas raízes do passado. Como se Portugal não tivesse o direito a orientar a sua política externa no sentido mais adequado ao seu passado ultramarino!
Que imensa tristeza nos provoca a leitura das Quase Memórias do Dr. António de Almeida Santos (Volumes I-II, Lisboa, 2006), onde se critica a II República por não ter aceite o processo das independências coloniais. Um advogado de superior craveira põe-se a historiar o passado sem atributos para o fazer, e o resultado fica bem à vista. São lugares-comuns e juízos sem prova, até com o desplante de rebaixar um mestre da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, ousando revelar conversas privadas e o «diz-se» de versões deturpadas. Como é fraco o talento de um abalizado causídico que, em vez de se quedar para sempre em Moçambique, onde lhe estaria reservada a presidência da nova República, voltou á metrópole com os proventos amealhados numa conspiração consentida. E que hoje recolhe as frustrações de quem não soube fazer uma carreira política nesta metrópole onde praticamente ninguém deu pelo seu regresso!»
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Se um historiador que sabe e não arredonda adjectivos para nos contar a verdade não é um grande historiador, não sei quem no possa ser.
(Imagem da Livraria Bulhosa.)